domingo, 16 de outubro de 2011

"narração sobre a figura mais melancólica que eu já vi"

E quando eu sentei na frente da loja -te contei essa, einhô... Hein, cara, te falei da vez que eu vi o velho na frente da loja? Tá... Então eu tava acompanhando a minha namorada e a sogra, foram comprar roupas. Coisa de mulher, obviamente eu tirei os fones do bolso e sentei do lado de fora. Aí eu levantei os olhos devagar e de repente vi a figura mais melancólica que eu já vi. Foi um susto mesmo, sabe? Tu olha pruma pessoa e sente tanta pena que dá vergonha. Depois de uns 30 segundos, percebi que eu tava encarando ele com uma cara tão séria que se ele me visse, era capaz de achar que eu era um psicopata, ou coisa assim. Pra ajudar, o Mick Jagger tava dançando na minha orelha me dizendo coisas como "You can't always get what you want" e quando eu troquei de música pra não acabar com o meu dia que já tinha começado mal numa vitrine de boutique feminina, surge um Nick Cave sussurrando pra mim "hold on to yourself". Porra, eu tava sem saída e achei que aquilo era um sinal. Não acredito em nenhuma superstição, mas quando alguma coisa convenientemente se encaixa, é como se Deus tivesse dado um toquinho no meu ombro e quando eu virasse de volta depois de ver que não foi ninguém, eu percebesse alguma coisa incrivelmente óbvia na minha frente. Então eu fiquei ali pensando no velho.

Era um senhor numa cadeira de rodas com uma esparadrapo na veia do braço e fumando um cigarro no canto da vitrine, uma vitrine enorme com um letreiro enorme e um velho fodido largado no canto, que provavelmente já serviu de mictório público em algumas noites. Não tô querendo te deixar pra baixo, mas é que essas coisas ficam na minha cabeça, eu vejo que sem exagero tenho uma tendência a ficar que nem ele. Pra começar, ele tava fazendo a mesma coisa que eu, esperando as filhas, sobrinhas, netas... E de lado, ainda, porque a calçada era inclinada... Imagina, nem pra esperar a morte tu pode escolher uma posição!

Ultimamente tenho percebido bastante essa minha obsessão com perdedores. Não que eu realmente ache que vá ser um, mas porra, a vida é uma coisa tão incrivelmente grande, qual é a desse pessoal? Por que vocês me fazem escrever sobre gente que morre sem ter sido especial pra ninguém, ou já foi, mas essa outra pessoa morreu antes e ele termina tipo uma sombra no entardecer, esperando pra se ajuntar com o resto da mediocridade humana e fazerem juntos uma grande sombra que cobre o mundo todo e se juntam, na verdade, pra ficarem mais invisíveis ainda?

É essa porcaria de Nick Cave, preciso parar de escutar esse cara.