quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O primeiro. O segundo.

O primeiro começa com uma cama rangendo e algum suor. O segundo passa as horas transformando-se em  fóssil e desfazendo-se em pó. O primeiro sente-se satisfeito e de certo modo até confortável, embora não faça ideia de que está discutindo com um vaso de flores. O segundo ainda espera que esqueçam seu rosto numa pequena cidade da Bahia. O primeiro afasta as cadeiras pra vomitar e consegue cambalear até o sofá. O segundo sente-se forçado a abandonar a casa de três andares dos pais por achar que não saberia como lidar com eles depois que as notícias da sua viagem chegassem até os ouvidos deles. O primeiro não sabe, mas tem um tumor qualquer em alguma parte do corpo que irá parar de funcionar e matá-lo depois de um ou dois anos de internação. O segundo perderá a vida durante o sono e passará seus últimos 11 anos de existência tentando deixar algum traço da sua personalidade no seu sobrinho. O primeiro consome um fim-de-semana inteiro na cama lendo On The Road pela segunda vez. Faz 4 refeições durante esse tempo. O segundo sente-se atraído por louras de salto alto maiores do que ele mesmo. O primeiro descobriu que tem um filho de dois anos há três dias. O segundo espera calado até que seu terceiro inquilino do ano acalme a esposa para lembrá-los de que o aluguel está atrasado. O primeiro perde bêbado o último ônibus de um domingo de céu sem estrelas. O segundo esquiva-se de entregadores de folheto como se tivessem facas nas mãos.


O primeiro vê seu futuro nas lápides do Père-Lachaise. O segundo sequer lembra de que está vivo.

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