quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Loteria

Me rendi à pieguisse de sonhar com a vida fácil. A gente acha que expectativa é uma coisa bem tola. Mas é só quando não é atendida. Ontem, era milionário. hoje, eu e 193 milhões de brasileiros acordamos 119 milhões de reais mais normais.

Chamamos expectativa de esperança, quando queremos engrandecer uma meta. Eu tinha só expectativa, havia quem tivesse esperança. As minhas expectativas não foram atendidas. Há aqueles que perderam as esperanças. Acontece todo dia.

Vi ontem, durante a viagem de ônibus até o centro, uma mulher de uns 30 e poucos anos, negra; a cor e a dor da colonização torpe; tudo isso dentro de formas antiestéticas, reclinada no meio-fio, braços e pernas estirados em extensão máxima e olhos fechados. Atropelamento. 

Me veio à cabeça, então, uma divagação de viagem: de que ela estivesse no caminho de volta de uma agência da Caixa, e acabara de retirar sozinha o prêmio da Mega-Sena. Sai de lá e sua vida se transforma de um jeito, que torna a filosofia mais vã e a matemática menos exata, a física torna-se plástica e a química menos odiosa. O sentido do curso da vida se inverte, 180 graus de mudança. Tudo se dobra, se ajoelha ou desaparece quando ela não está olhando, é tudo indiferente ao olhar dela, que não vê. 

180 graus é um ângulo raso, uma linha horizontal. Isso me lembra que ela está deitada na calçada. Minutos depois no hospital, o diagnóstico é coma. Ela é agora um vegetal. Um feijão, que vale ouro. Mas que depois de posto na panela, é só mais um feijão.

O sentido se inverteu, mas a direção continua a mesma;

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